Em algum momento da carreira, todo pesquisador ou pesquisadora já se deparou com a seguinte pergunta: “qual caminho devo tomar: academia ou indústria?”. Com a intensificação da geração de oportunidades de tradução da pesquisa de bancada para o mercado, essa pergunta tem se tornado cada vez mais parecida a “qual caminho devo tomar: academia ou startup?”. Apesar de ser pessoal e longe de ser um questionamento dicotômico, trouxemos aqui alguns itens que devem ser levados em consideração para que a escolha seja realizada com criticidade e clareza, pois no/ao longo prazo será de extrema importância para o senso de realização e desenvolvimento profissional de quem embarcar na jornada. Vamos lá? :)

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1- Liberdade 💭

Antes de mais nada, é importante ressaltar que não existe liberdade total, em nenhum dos ambientes que o(a) cientista escolher. Dito isso, quem é da área acadêmica já deve ter ouvido falar da - e muito desejada - liberdade intelectual. Resumidamente, o termo se refere a possuir o controle do enfoque, método e objetivo da pesquisa a ser conduzida.

De um lado, e de modo geral, a academia é um espaço no qual há uma intensa dependência e influência das figuras de orientadores(as) para com os caminhos das pesquisas dos(as) cientistas (mestrandos(as), doutorandos(as) e “pós-docs”), e, portanto, existem casos de restrição na liberdade intelectual destes. Por outro lado, gerar um negócio de base científica ou tecnológica dá ao cientista a liberdade inicial de qual rumo tomar na pesquisa a ser desenvolvida, liberdade da cultura da empresa, da operação e salários.

Esses dois cenários parecem dicotômicos e simples, não é? Mas não o são.

Do lado acadêmico, os graus de liberdade dependem do tipo de área, da mentalidade do(a) orientador(a), da permissividade à inovação da instituição acadêmica, do momento profissional e criticidade científica do(a) cientista, e da mentalidade das agencias de financiamento e apoio a pesquisas, além da própria natureza da pesquisa - que possui como objetivo o de responder perguntas, não visando uma aplicação real, necessariamente. Já do lado empreendedor, o grau de liberdade é influenciado por inúmeros fatores: demandas específicas do mercado, acordos com agencias de investimento ou contratos com empresas co-desenvolvedoras da tecnologia, disponibilidade e gestão do capital - principalmente, considerando que o P&D exige altos custos, tempo e recursos humanos -, questões regulatórias limitantes, disponibilidade de fornecedores de insumos em grande escala, e por aí vai…

Portanto, a pergunta de ouro não é “quero ou não ter liberdade?” mas sim “qual tipo de liberdade quero ter?”.

Existem algumas exceções no meio acadêmico, nas quais o mindset e cultura laboratorial não apenas permite como incentiva a autonomia e a inovação das pesquisas dos(as) pesquisadores(as), como o laboratório do Professor Nivio Ziviani na UFMG no Brasil, o laboratório da Dra. Jennifer Dionne na Universidade de Stanford, e o laboratório do Dr. George Church, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

2- Ritmo da caminhada 🏃🏾‍♀️

O senso de urgência na academia e no mercado é como uma corrida entre a tartaruga e a lebre. Tanto no âmbito acadêmico quanto no mercado, o avanço científico pode possuir um progresso lento, pela natureza inerente da pesquisa. Porém, no setor acadêmico essa velocidade é menor ainda, e isso pode ocorrer devido a dois fatores: (i) as pesquisas são executadas por diversas pessoas em momentos diferentes, pausando e retomando o projeto ao longo de meses ou anos, dado que não há um objetivo claro de aplicação ou uso do resultado da pesquisa para algo concreto ou de impacto real, e (ii) o formato da publicação e o alcance da divulgação, que possuem baixo custo x benefício real, pois demandam muito tempo e nem sempre possuem visibilidade.

Apesar da era digital já estar bem consolidada na sociedade e em inúmeros setores, a indústria de publicação científico-acadêmica ainda não acelerou (ou melhor, não inovou) seu processo - em média, o processo para se obter a publicação de uma pesquisa demora cerca de 6 meses, porém não são raros os casos que passam de 1 e 2 anos.

Do lado do mercado, embora o processo de peer review seja um passo importante, a publicação tradicional não é a via mais considerada - e isso por si só diminui o tempo entre bancada e impacto. Tanto grandes empresas quanto pequenas startups ou empresas nascentes de base científica, realizam P&Ds sérios e com peer review. Porém, não vêem nas publicações o melhor caminho para impactar o mundo.

Um ano no contexto acadêmico não é muito; um ano na vida de uma startup pode ser life changer. Portanto, nessa perspectiva, o(a) pesquisador(a) deve pensar em qual tipo de corrida sua visão de mundo se encaixa. Não se trata meramente de quando será possível publicar; é sobre a velocidade dos avanços e encontros com riscos e incertezas para os quais se está disposto ou aberto a correr.

3- Motivação 🤩

A motivação é o combustível que faz o motor funcionar todos os dias, e o senso de realização é um dos elementos que compõem a motivação. De modo geral, no contexto acadêmico, o principal papel de atuação de um(a) pesquisador(a) é na capacitação e evolução de estudantes (em todos os níveis); ao passo que, na construção de um negócio, o que mais motiva o(a) empreendedor(a) é o cliente (ou o usuário da solução). Isso implica que todos os esforços devem ser aplicados para alcançar e satisfazer esses dois alvos.

Como todo caminho, tanto o acadêmico como o empreendedor são desafiadores e requerem resistência e resiliência. Assim, saber qual o tipo de alvo que se quer ter auxiliará a manter a motivação mesmo em tempos difíceis.

4- Impacto 💥

Ambos os caminhos de carreira possuem potencial para impacto, embora sob óticas diferentes. Considerando a vida acadêmico-científica, o impacto tende a ser aplicado mais a longo prazo e depende do trabalho de diversas frentes, já que cada achado científico é apenas uma ponta de conhecimento que funciona como base para a próxima pesquisa/hipótese. Além disso, muitas teses científicas se acumulam nas estantes das bibliotecas e, quando publicadas, são visualizadas por um grupo específico de pesquisadores(as). Nessa perspectiva, grande parte das pesquisas científicas realizadas de formas convencionais não possuem impacto imediato e precisam de grandes esforços de comunicação científica para serem compreendidas pela comunidade não científica, limitando o potencial que elas possuem.

Dentro da transferência tecnológica, o impacto é alcançado de maneira mais rápida e assertiva - pois a tecnologia desenvolvida, devido às premissas das forças propulsoras para a transferência, possui um alvo de aplicação em algum setor da sociedade. Nos programas executados pela Wylinka, nós trabalhamos de forma que os projetos tecnológicos possam gerar o máximo de impacto à sociedade.